...você tem traduzido meus sentimentos muito bem nesses últimos dias. De fato estou conhecendo a amiga que eu nunca soube que tinha, e aprendendo contigo a não perder os outros.

Sim, porque a tua amizade - eu não sabia - mas nasceu comigo. Foi presente de berço, de maternidade. Esteve comigo desde sempre.
Esteve comigo quando você descobriu que eu não era um menino.
Esteve comigo quando você me levou pra conhecer o nosso lar.
Esteve comigo quando você me arrumou e me pôs na rua para sentir o gosto do banho do sol.
Eu não lembro, mas eu sei. Sei que a tua amizade esteve sempre comigo.

D'outras vezes eu lembro.
De quando você foi minha amiga me deixando andar de bicicleta na chuva, e depois me ajudando a cuidar do joelho machucado.
De quando você foi minha amiga falando apenas que aquele namoradinho do colégio não prestava.
Aliás, quantas e quantas vezes você não foi minha amiga abrindo-me os olhos para aqueles meus namoricos que - não tardiamente - me fariam sofrer?

Mas a amizade é assim mesmo, mãe.
Amizade é um misto homogêneo de cuidado com liberdade.
Sem falar do respeito, carinho, admiração...

E a sua amizade foi um presente de berço completo.
A sua amizade veio para mim (assim como eu vim para você) repleta de respeito, carinho, admiração, e principalmente, cuidado e liberdade.

Mas eu fui crescendo. E ao mesmo tempo em que segurava-me as mãos, tú soltavas o meu quadril. Depois deixastes que eu caminhasse com minhas próprias pernas e que tivesse a mão livre para aprender a usa-la quando tivesse que cair. Mesmo assim sempre estavas me esperando para cuidar das feridas do joelho.

Eu acumulei algumas feridas no joelho, é fato.
Umas tão feias, e frutos de quedas tão duras que eu nem te procurei para me ajudar a cuidar. Cuidei de tudo sozinha e escondida.

Não que eu não quisesse mais o seu cuidado, mãe. Mas eu precisava de outras amizades pra me ajudar a cuidar das feridas que eu não queria que você cuidasse.
Eu precisava conquistar outras amizades.

Mas eu não sabia que as amizades conquistadas não vem de berço.
Elas não me conhecem como você. Não sabem que meu suco preferido é de acerola, nem que eu soluço quando eu choro.

As amizades conquistadas vêm aos poucos.
Primeiro a admiração, depois o carinho, respeito, liberdade e o cuidado (não necessariamente nesta ordem).

E eu não sabia disso, mãe. Eu não sabia que essas amizades são falhas. Eu custei a descobrir, entender e aceitar.

Mas e agora o que eu faço, mãe?
Aonde eu jogo todo este entendimento?
Eu não quero abrir mão dos amigos que eu conquistei. Eu não quero que eles aprendam a tomar suco de acerola.

Talvez esteja na minha vez.
Chegou a minha vez de abrir mão dos meus gostos. De ir lá com a cara de a coragem tentando sentir o gosto dos sucos que eles gostam.

Chegou a minha vez de desacostumar com a sua amizade perfeitamente liberal e cuidadosa, mãe.
Eu preciso abrir os braços para a incerteza daquilo que eu conquistei.
Preciso aprender a admirar a beleza que é a dúvida da integridade daquilo que não veio completo.

Preciso disso.
Mas ainda preciso de você para me ajudar a traduzir.
Ainda preciso desta tua amizade divina e tudo de mais belo e gostoso que ela possa me trazer.
Ainda preciso sentir o sabor dos teus sucos de acerola, mãe.

1 Comment

  1. luz on 22 de dezembro de 2008 às 09:08

    que bom que estás com um ótimo relacionamento com tua mãe, amor.
    de verdade.

     


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