*dos monólogos scrapbookeanos com a AnaK.

Por Marina Moreirah:

Ela dava passos leves e calmos. Chegara mais à frente e de súbito retornava pelo medo sutil que sentia da água. Nunca havia visto o mar, era a sua primeira vez.

Nunca havia visto o mar mas lembrava-se muito bem de algumas outras vezes que foram as primeiras de algumas outras coisas.
Houve uma (primeira) vez porém, que foi de fato, a mais especial. E vendo o mar, ouvindo o mar, ela sentiu-se novamente naquela outra primeira vez.

Sentia o mesmo medo. Sua cabeça era palco, mais uma vez, de uma temível indecisão. Ela odiava decidir. Odiava decidir quando estava indecisa. E quando isso acontecia, colocava-se a pensar. Pensava por horas e horas afim de tomar a decisão mais correta.

Naquele dia não. Ela não pensou.

Deu outro passo leve e calmo pisando a areia molhada e a água veio. Veio a água, e ela ali, imóvel.
Não desviou o olhar para o seus pés, mas sentira o sal e a água entrando em seu corpo.

As ondas iam e vinham. Ela, de olhar fixo, acompanhava tal movimento pelos sons. E sentia seu corpo cada vez mais encharcado.

Foi como naquela outra primeira vez.
E quanto mais água e sal havia dentro dela, mas forte era tal recordação.

Mais uma (primeira) vez, lá estava ela encharcando-se de uma súbita decisão tomada indecididamente.

Dessa vez, pelo menos, ela aproveitou a água para transformar em lágrimas. E o sal serviu para que ela ficasse cada vez mais amarga.

Foi então que ela descobriu, o prazer de uma (in)decisão sincera e equivocada.
E ficou admirando esta beleza, até quando ela não houvesse mais, até quando só houvesse mar.


Por Ana Carla:

Solitária. Esbranquiçada, não-relatada, não-encantada, não-simbolisada e todas as formas adjetivas no particípio. Era assim que ela se via. Magra, nua, crua, quase sem-sentir, num não-tempo, numa não-vida. Era sempre um quase lá. Um quase qualquer. Nunca somente qualquer. Sentia-se como uma raiz (e não como flor) que sustenta um caule para manter um ser vivo. Ela não se sentia um ser vivo. Não se sentia nutrida. Sentia quase qualquer coisa, mas não viva. Talvez não pudera pensar. Talvez não pudera se mover. Criar e criar e criar. Na verdade, nunca pudera. Nunca passou de uma quase flor de lótus. Assistia quase sempre a mesma paisagem, em águas que não eram as mesmas. Querera metamorfosear-se todos os dias. Mas ela quem não sabia que quase mudava a cada momento. Ora radiava e ora broxava. Não importava. Seus olhos em pétalas eram maiores que quaisquer olhos de borboletas. No fim, era tudo ambição, queria viver uma vida que não era a sua, e então não vivia. Era melhor.
Queria voar, queria correr, queria gritar. Alimentava-se de relapsos de uma não-vida. Uma vivência suja e inventada dentro de um ser que dava graça aos lugarejos mais grotescos. Só não sabia ela que era a mais bela entre as flores de qualquer campo, de qualquer lago, que qualquer lugar. Entretanto sabia muito bem que era quase a mais monstruosa flor que afundava em águas quaisquer durante as noites e florescia com o sol, somente porque reconhecia sua hipocrisia e seu menosprezo - consigo mesma, por não dava valor a si e, não se reconhecer. De fato, não merecera ser tão bela aos olhos e tão grotesca a si. Suas aparências já não faziam mais parte do seu aroma.

1 Comment

  1. Anônimo on 20 de dezembro de 2008 às 14:47

    E todos os relapsos e relapsos.

     


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